domingo, 10 de abril de 2016

Amizades que transcendem o tempo (ou a felicidade clandestina de Luan)

(Conto inscrito no Prêmio Off Flip | Bibliomundi de Literatura em 2016)


, Luan e Daiana estudavam juntos no primeiro colegial. Na época colegial hoje, ensino médio. Antes disso, só haviam se encontrado, um ano antes quando Luan acompanhado por parentes foi até a casa de Daiana. Não se conheciam e houve apenas um rápido aperto de mãos entre desconhecidos.

Passados poucos meses estavam eles estudando juntos o primeiro colegial de uma conceituada escola particular. No primeiro dia de aula, Luan estava fascinado pelo ambiente do ensino médio pois não mais era obrigado a colocar uniformes escolares. No ginásio, antigo ensino fundamental, na 8ª série, todos os dias tinha que ir vestido com a camisa do colégio e uma calça de abrigo (azul marinho). Estudava em um colégio, onde as regras eram rígidas. 7h10 aula de religião, 8h matemática, 10h recreio, 11h educação física, 12h redação e assim por diante. Por longos dois anos Luan foi submetido a esta rígida rotina. No final estava até se acostumando.

Nesta nova escola Luan disse a si mesmo que iria estudar mais e se divertir mais pois não tinha muito boas lembranças do ensino fundamental. Ele, ainda fascinado, olhando aos arredores para se familiarizar com o colégio, topou com uma colega de classe, sorridente, que disse: “Você foi a minha casa um tempo atrás, lembra?” Luan não reconheceu a colega, apenas respondeu com um “sim” meio “sim?” na interrogação e saíram para o intervalo da aula.

Ao retornar para a sala de aula, Luan, ainda pensativo não parava de pensar na conversa anterior com a sua colega e ficava olhando, muito rapidamente para não ser notado por ela, onde é que poderia ter conhecido esta menina. Estava intrigado e ao final da aula, já se retirando da escola para a sua casa, novamente a garota o abordou e disse com um belo sorriso: “Você não se lembrou de mim né?”. “Vi que você ficou olhando, olhando com aquele ponto de interrogação na cara”. “Eu sou a Daiana”. “Você foi na minha casa algum tempo atrás”. “Acho que você não me reconheceu pois naquela oportunidade eu estava usando óculos”. Luan não se conteve e disse: “você usa óculos?” e ela: “Sim, hoje estou com lentes de contato”. Seria uma coincidência muito grande? Conhecer Daiana e estudar na mesma classe alguns meses depois? A cabeça de Luan começava a funcionar e seus demônios desta sua cabecinha não mais o deixaria em paz.

E foram embora, cada um para a sua casa com uma boa impressão do primeiro dia de aula. Luan feliz, porém ao mesmo tempo intrigado, por ter conhecido ou reconhecido Daiana, e Daiana também feliz por ter feito o dever de casa e feito com que Luan se lembrasse dela.

O tempo foi passando e Luan, ainda como havia prometido para ele mesmo, se esforçava para tirar notas boas, estudando muito e quase sempre cumprindo seus objetivos. Daiana tirava boas notas sem se esforçar. Gostava de literatura. Lia livros de romance mesmo sem serem os livros indicados pelo professor. Gostava de participar da aula. Já Luan se esforçava para tirar boas notas, não gostava de literatura e ficava escondido no meio da sala a fim de que não fosse notado pelo professor. Mas era um rapaz boa pinta. No intervalo gostava de interagir com os colegas, principalmente com os colegas que ele já conhecia dos colégios anteriores. Era brincalhão, mas tinha aquele velho problema de interagir com as garotas. Aos 15 anos o que ele mais queria era jogar bola, sair com os amigos, praticar natação e torcer para o Timão. No final dos anos 80, o time do Corinthians era tenebroso. Era difícil torcer para este time. Ganhava um campeonato a cada 3 ou 4 anos e nunca tinha ganho um campeonato Brasileiro. Mas enfim era o time que ele gostava e sofria muito com isso.

Aos poucos começou a conversar um pouco mais com Daiana e a amizade foi crescendo. De vez em quando ela o convidava para estudar na sua casa, com outros colegas de classe, somente para passar mais tempos juntos. Pois, na época Luan não sabia, mas Daiana não precisava de grupos de estudos. Ficava admirando o esforço de Luan em estudar e ensinar os outros colegas e de vez em quando, fazia que não entendia para que o próprio lhe ensinasse. Mas ela nunca precisou. Não se esforçava. Ela era inteligente por natureza. Luan também aproveitava os momentos para ensinar e estudar junto. Gostavam um da companhia do outro. Não foram raras vezes que Luan foi estudar na casa de Daiana. Foi o mais próximo que conseguiram chegar quando dividiam a mesma sala de aula. Nunca falaram em namoro, em namorar, nada. Apenas Daiana falava que era difícil um homem ser amigo de uma mulher ou vice-versa. Luan não concordou com isso, e ficaram em um impasse.

Certa ocasião, Luan estava a caminho de casa após um treino de natação, já noite, e de repente encontrou Daiana com uma amiga. Mais uma vez coincidência? Elas iriam até um hotel da cidade onde uma banda de rock estava hospedada. Nem deu tempo de Luan dizer nada e, quando percebeu, já estava dentro do carro, um fusquinha, conduzido pela amiga de Daiana. Foi meio que um sequestro relâmpago, mas um sequestro que Luan curtiu muito. Ele que não gostava muito música e ouvia pouco rock, mas não se importou de ir junto com Daiana. O importante era estar na companhia dela. No hotel não havia quase ninguém. O papo com os músicos fora muito legal, pegaram autógrafos, conversaram, riram e se despediram. Como não levaram papel e caneta para os autógrafos, a agenda de Luan serviu para quebrar o galho. Naquela época Luan já nutria um grande amor platônico por ela. Daiana também gostava de Luan, porém um inimigo implacável estava prestes a surgir entre os dois. O tempo!

Não houve uma despedida. O ensino médio foi passando e já no cursinho, em uma outra escola, quase não se falavam. Não porque brigaram ou tivesse acontecido algo entre eles. Apenas estavam preocupados com o vestibular e quando se encontravam apenas se cumprimentavam brevemente. Naquele momento nem passava pelas suas cabeças se envolverem pois, além de serem muito jovens, existiam outras prioridades nas suas vidas.

Neste último ano de cursinho foi a penúltima vez que se viram. Um longo espaço de tempo estava prestes a ficar entre eles. Esta situação acontece com amigos de ensino médio. Durante o colégio eles se tornam amigos, dividem o lanche, jogam futebol e até dormem um na casa do outro, riem das mesmas coisas. Em um outro momento vão se distanciando até que se tornam apenas mais um rosto desconhecido nos corredores da escola e depois, esquecidos no decorrer da vida.

Luan e Daiana fizeram faculdades diferentes, em cidades diferentes e raramente um tinha notícia do outro. Casaram-se com outras pessoas que conheceram e constituíram família.

Em um breve momento, 15 anos depois, tiveram mais um contato em uma formatura. Trocaram olhares e perguntaram se estavam bem. Esta foi a última vez que se viram.

O mundo dá voltas e amizades verdadeiras transcendem o tempo. O tempo pode ser um inimigo oculto muito feroz, porém o amor e a grande amizade entre duas pessoas podem perpetuar, deixando assim o tempo parado, congelado. E o tempo congelado, fica para sempre, como uma fotografia. Fica mais ou menos como uma lembrança para a vida afora. Os anos passam, as pessoas ficam mais velhas porém este espaço de tempo mesmo sendo considerável não será, ou seria, suficiente para separar dois velhos amigos.

Um certo dia, passados mais de 23 anos do cursinho, voltaram a se encontrar virtualmente em uma rede social. Para Daiana foi um encontro normal e casual entre dois amigos. Para Luan, despertou o sentimento da adolescência, inexplicável até mesmo para ele que sempre foi um rapaz sensato e racional. Recuperar 23 anos em poucos dias é difícil, porém fica a cargo do tempo em reparar o que ele fez.

Para Luan era como ter uma sementinha guardada no coração e ao “reencontrar” Daiana, esta sementinha se aflorou e houve uma explosão de sentimento. Luan, agora desimpedido e sabendo que Daiana estava divorciada, o fez lembrar do tempo de colégio onde eram bons amigos. Ainda não se encontraram para conversar e trocar as boas novas. Mas isso agora não é o mais importante. Luan lembrou-se de Clarice Lispector no conto felicidade clandestina. Ao receber um e-mail ou curtida em rede social faz despertar a sua felicidade clandestina. O recado dela está lá. De vez em quando ele olha, não abre, sai do e-mail, confere mais uma vez, demora para ler, e, enfim a lê com muito mais interesse.

E assim, esta felicidade pode ser duradoura e que eles possam passar mais 23 anos sem se verem, pois, a amizade e o sentimento recíproco permanecerão para sempre, sempre!

Um certo dia, cansado de só poder comunicar com Daiana virtualmente, Luan, enfim, tomou coragem e enviou-lhe uma mensagem dizendo que gostaria de revê-la. Passados alguns dias veio a resposta. Luan, se torturou por algum tempo para abri-la e lê-la. Quando achou que já havia esperado tempo suficiente, respirou fundo, clicou na mensagem e começou a ler. A resposta de Daiana foi:

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